"Então Moisés estendeu a sua mão sobre o mar, e o SENHOR fez retirar o mar por um forte vento oriental toda aquela noite; e o mar tornou-se em seco, e as águas foram partidas."
Livro do Êxodo, capítulo 14, versículo 21
Plebeus e plebeias, cá volto.
Desculpem a demora, mas tive que retirar-me para umas ilhas a sul, que tinha o palácio cheio de água – foi uma trabalheira, as tapeçarias persas todas estendidas ao sol, as porcelanas da Companhia das Índias cheias de lama, ufa... que trabalho que deve ter sido para os meus fieis serviçais.
Felizmente que graças ao bom trabalho do meu bom amigo Príncipe da Alameda, Dom Paulino Primeiro e Último, O Perfeito e Brilhante, as coisas não foram piores. Aquilo que podia ter sido, sei lá, um dilúvio de levar casa e tudo, foi apenas uma cheia como as outras.
Efectivamente sabemos que o Príncipe Perfeito está em contacto directo com S. Pedro (o das chaves, não o da Beberriqueira) e interveio ele próprio para que parasse de chover, não fossem os malefícios abissalmente maiores, a ponto de andarmos de fatos de mergulho e ter-se de construir um cais para os turistas do Convento.
Senhores, confesso-me estonteado com a capacidade de construir notícias. A habilidade em transformar um mau desempenho numa opinião generalizada de que se é descendente directo de Deus. A caixinha mágica faz milagres, já sabemos, e até põe comerciantes a elogiar o trabalho daquele que não o fez.
Azar têm os autarcas de concelhos onde efectivamente esse lavor haja sido efectuado, nesses não houve cheias, nesses não se falou. Meus caros, quem vos mandou ser parvos? Para aflorar ao quadradinho mais poderoso do mundo tudo vale, e quanto maior for a tragédia, mais pontos se soma.
Triste povo, bem razão tem o teu pastor quando se diz O Iluminado na terra de cegos, porque a melhor forma de adestrar alguém, é fazê-lo sem que se aperceba.
Eu creio ser tempo de erguer estátuas, de levantar ruas em seu nome - que toquem os sinos, que se ofereçam as virgens, entregai-vos povo, entregai-vos!
O vosso Salvador está aí, omnipotente e presente, até encontrou espaço na agenda para vir a Tomar separar as águas. Povo não o deixeis partir que sem ele estais condenado, caminhareis certos para o negrume do abismo.
Acorrei povo, acorrei ao seu encontro, levai-o em ombros pelas ruas, cantai cânticos em seu nome, baptizai vossos filhos com seu apelido, sentai-o à vossa mesa, lavai-lhe os pés, dormi com ele, pendurai fotos suas nas vossas salas e por cima das vossas camas.
Ide, ide, que assim ireis longe, que tão longe já hoje estais.
Vede povo, vede a vossa terra tão bela assim quietinha, dormindo inocente nas margens suficientemente limpinhas do Nabão.
Vede como sois tranquilos e gostais, vede como a vossa vida entregais (e bem seguramente) nas mãos de outros que por ti decidem.
Olhai povo, a memória do teu passado, e confundi-te com ela, que talvez alguém assim se lembre de ti.
Olhai povo, lembrai-te, ouvi, sente o que ao lado te passa, e talvez te lembres do que já fostes.
E aí dentro de ti povo... bem aí dentro, nessa coisa esquisita que te causa algum desconforto, que por vezes até te faz pensar, coisa demoníaca! Aí dentro, lá nesse dentro que te faz humano, que te faz nabantino, nesse sangue que é alma de cavaleiros de outrora, repousa um pouco, ouvi o que esse algo te diz, olhai o que te mostra...
e talvez percebas que há outras verdades, para além das sombras projectadas no fundo da caverna...
e talvez descubras que queres, e que podes ainda, fazer o teu caminho.
E eu que não sou povo, vou já por aqui...