14/12/2006

Aos pastores do povo.

Boas tardes!
Com a vossa posterior licença, permito-me entrar nos vossos monitores.
Este que vos escreve é o Grande Mordomo Principal do Palácio de Sua Magnânime Excelência, O Conde.

Escrevo-vos porque em verdade não tenho mais nada que fazer, praticamente sozinho que estou, eu e os outros cento e tal serviçais do palácio. Sozinho porque o Conde, sempre resoluto aventureiro arriscou-se em mais uma das suas viagens por terras inexploradas do Dubai, sempre em busca do melhor hotel; e a Condessa, que também só cá está aí um mês por ano, fugiu com medo das cheias para o Brasil. Só não percebo porque levou um dos jardineiros com ela, se a casa do Brasil não tem jardim. Enfim, manias de Condessa.

De jeito que eu, pessoa dada, ainda que sempre na minha pacatez e descrição de mordomo, ao observar do que se passa ao redor, entre as intrigas e a coscuvilhice, assim como – também acontece – nos assuntos eventualmente sérios, há tempos que vou observando as maleitas desta terra e aquilo que dela vão escrevendo alguns dos seus proto ou antagonistas (como o Conde, também sei umas “palavras de vinte tostões”, como dizia a minha avó, nos tempos longínquos em que vinte tostões valiam alguma coisa).
Ora pois, é por tudo isto que, certo que o meu senhor O Conde não se importará, vou aqui dar-vos a receita para a problemática maior dos vossos comentários, que podendo não valer nada, valerá tanto como muitos desses.

Discute-se muito quem deve ser, como, de que forma, com que figura, o candidato à chefia do concelho.
Pois que eu como tantos em Tomar, acho que Tomar só lá vai com uma figura distinta, bom católico, bom chefe de família.
Que conduza um Volvo ou um Mercedes, que tenha um filho varão a estudar para advogado ou engenheiro e que seja bom no futebol e no xadrez, e uma filha mais nova com queda para a enfermagem ou a assistência social e que com a mãe se dedique a obras de caridade.
Uma esposa respeitável e uma amante séria, da qual não mais que vinte ou trinta pessoas saibam. No máximo um filho bastardo, que nunca reconheceu, e que vê de relance apenas aos domingos de manhã durante a missa.
Terá que ser gestor de uma empresa onde só tenha dado desfalques moderados, ou médico especialista e só beber no máximo dois copos de whisky por dia, ou três de um bom bagaço acompanhado de umas cigarrilhas de leve aroma.
Bom aspecto, alto, sem barriga, cabelo grisalho, olhos verdes, ou castanho claros. Possivelmente um tique charmoso, como um ligeiro coxear de uma lesão antiga de um exercício mal corrido na tropa.
Entre Cunhal e Salazar deve preferir o último, e ainda que reconheça virtudes nesta espécie de democracia, sabe que o Abril dos militares só veio trazer libertinagem. Sabe o que é um desmancho e conhece quem os executa, mas será absolutamente contra o aborto. Deve pertencer aos rotários ou à misericórdia, ser membro de duas ou três assembleias gerais de associações da terra, ainda que nunca tenha perdido tempo em nenhuma. Sabe citar a Bíblia e o Correio da Manhã, cumprimentar todos na rua, e ir ver a bola com um restrito grupo de conhecidos ao hotel.
Meus senhores, encontrai quem caiba neste perfil, e tendes o vosso homem.

Depois ponham quatro ou cinco figuras a colorir o cartaz: uma ou duas mulheres de bom aspecto, um jovem com ar de desportista, e um sénior com ar de intelectual.
Distribuam rebuçados e balões durante três meses no mercado, lançai uma suspeita de corrupção sobre o candidato, e confirmai que em tempos já fugiu ao fisco. Disparai três ou quatro ideias vagas sobre qualquer coisa que soe bem, prometa-se um qualquer grande investimento, afiance-se um projecto fantasioso, e se possível, nunca o escrevam em lado nenhum.
Contratatem-se dois ou três artistas de música pimba para servir com umas febras e uns copos de tinto numa tarde de domingo, e ofereça-se mais um ou dois artífices políticos de renome televisivo que atestem a qualidade e seriedade do senhor, mesmo que esses se enganem no nome dele ao o apresentarem à comunicação social e convidados de elite durante o sarau num local de prestígio.
Convenientemente, em todos os locais a que o senhor se prestar a ir, mesmo que apenas por cinco minutos (e serão muitos), lá estará um fotógrafo que casualmente disparará a máquina realizando assim uma das quatro ou cinco fotos do sujeito que virão no jornal essa semana, onde aparecem mais um dois artigos que o citam, e mais uma boca simpática na secção humorística, enquanto que por falta de tempo ou espaço, se esquecem os outros candidatos.

Meus senhores, como as mezinhas da minha mãezinha lá na Beira, isto é infalível! Não sei porque tanto debateis esta temática, se até para mim que só tenho a quarta classe do antigamente tirada, perto, da Sertã, e tudo o que sei aprendi a servir os outros, me parece tão elementar!
De qualquer modo, e porque da vida levo a experiência, encarecidamente vos rogo que depois do crime, não venhais como de costume antigo dizer que o culpado... é o mordomo!

Cordialmente, sempre a considerar,
O Mordomo.