12/03/2008

In(v/f)erno sem fim.

Caras plebeias gentes nabantinas, como estão? Mal presumo, decerto como eu, a chorar que nem desalmada!... mas vá, já lá vamos.
Preciso muito de vós, preciso da vossa ajuda. Tereis vós porventura a fineza de me prestar um pequeno pequeno obséquio? Sabereis vós, algum de vós, dizer-me onde paira o canastrão do Conde? Não que me interesse muito aquela inútil criatura, mas é que não sei dele vai para dois meses, e já não tenho saldo em quase nenhum dos meus golden cards.
É o fim do mundo, tenho tanta despesa a aproximar-se e o desgraçado não dá sinal. Já tive que, vejam bem, cancelar hoje a minha massagem de algas e pedras vulcânicas, e sinto já a pele toda áspera! Há mais de uma semana que não compro um par de Givenchy’s ou uma Louis Vitton, e saíram agora umas de alça dourada tão giiiiiras! Digam-me por Deus, como se pode ser Condessa assim, a usar a mesma mala dois dias seguidos?!

O pachola esfumou-se. Ainda pensei que tivesse ido visitar o Príncipe da Alameda, agora que se mudou para terras do Mondego, mas não, naturalmente já falei com ele, que toda a desculpa serve para falar com aquele enviado de Deus, mas ele diz que nada sabia do Conde e nem o queria ver nem que viesse coberto de chocolate belga – e se aquele homem adooooora chocolate belga!
Foi uma catástrofe, como é que consentimos que o esbelto Príncipe se fosse embora?! Naturalmente choro mais por ele que pelo Conde... O que será desta terra, quem agora, evitará que por aí entrem esbaforidas, as demoníacas tropas do progresso?
Na missa de domingo, estavam umas deslavadas sem jeito nem pilhéria, que nem sabem a diferença entre um Gucci e um Valentino, a cochichar que Dom Corvêlo de Sousa era bem capaz de guardar a cidadela das maleitas dessa gentinha pobre que se põe por aí a dizer que também quer ter jeitos de cá morar. Onde é que já se viu, gentinha sem pedigree aqui a dar mau cheiro a isto, a aterrorizar-nos com aqueles trapos comprados aos ciganos ou em lojas sem marca, ou pior, em saldos! Ui, que horrooor, já estou cheia de urticária! Pelo sim pelo não, já prometi doze velas à Nossa Senhora se proteger o senhor e o guiar nessa santa missão. Não deixai Santa Senhora Virgem Mãe que façam mal à nossa terra, ai!

É que também lá diziam à porta da igreja, que os primeiros que o querem levar para o tronco, são os que estão ao lado dele. Diziam mesmo que Dom Carrão, Barão das Freguesias, era o primeiro conspirador, de tal avidez que tem em conquistar o trono. Já se sabe como são estas tramóias da alta nobreza… Mas quem mandou o sujeito andar para aí antes do tempo a dizer que ia chegar a príncipe, se a sucessão ainda não estava decidida? E agora, como é que salva a honra se o concílio dos cardeais decidir que é o Regedor Côrvelo, ilustre Visconde da Passividade, que fica no trono? Giro giro era termos duelo ao pôr-do-sol, um a arrebitar o bigode, o outro a cofiar a barba, enquanto os pajens lhes afiam as lanças, e eles coçam os fundilhos daquelas calças tipo collants que os homens nobres usavam nos bons tempos da fidalguia. Têm os dois figurinha para isso, mas cicia a minha intuição feminina que o homem vai é calar-se bem caladinho, não vá ser desapossado dos títulos - o que é muito bem feito, que é para aprender a não andar para aí metido com o povo, naqueles arrais degradantes a comer coisas nojentas como frango assado e aos saltos sob a chinfrineira duns quaisquer iludidos cuidando que tocam músicas para bailes. Ou então, é como dizem as minhas amigas do bridge, aquela família do Laranjal está como as águas do rio Nabão, por agora correm suaves, mas todos sabemos que mais tarde ou mais cedo vai haver cheia.

E eu desespero, ó se desespero, onde anda o Conde? À direita do Flecheiro está visto que ninguém sabe dele, mas ao lado esquerdo também não vejo luz. Aquela gentinha dos Cavaleiros da Rosa Murcha, andam mais desatinados que eu, tal que me afigura que ainda não meteram na cabeça que as cruzadas já acabaram, e que se o Gualdim fundador cá viesse agora, era corrido mais ligeiro que os discursos do agora nosso Regedor. Diz que nesta terra, o povo é muito sensível ao que fazem lá por Lisboa, e já se sabe que, como quem lá manda agora são esses de rosa, a populaça daqui é bem capaz de não lhes ter grande conta. Ainda ontem comentava uma mestre-escola reformada que ao meu lado fazia a manicura, que nunca mais na vida lhes dá voto.
Nos cafés diz-se que o que os vai levar à batalha é o arquitecto, mas que o projecto vai ser chumbado, porque pairará ainda o espectro do outro, o anafado causídico e o seu grupelho de gastos rebeldes. Ele já cá reinou uns tempos, mas não tem grandes ilusões, dizem os doutos burgueses nas vividas mesas dos mesmos botequins da urbe, que a batalha dele é outra.
Certo, é que nem advogado, nem arquitecto, nenhum deles me sabe dizer onde e com que meretrizes se esconde o sovina do Conde. Amaldiçoado tempo em que, era eu pouco mais que menina e moça, ou praticamente virgem, caí na asneira de ir nos cantos apaixonados do Conde, que me enviava rosas e diamantes do tamanho de nozes. Aí, como o tempo passa…

Mas dizia eu, esse que já foi reinante, Dom Pedro … é que também não tem grandes ilusões, também sabe que o tempo passou, mas consegue levar dois ou três, ouvi eu entre as conversas à hora do chá. Até o velhinho Dias ainda vai fugindo ao lar, a ver se consegue uma destas noites voltar a acompanhar os homens do lixo que, diz o meu cabeleireiro, foi grande proeza por ele conseguida nos seus tempos aúreos.
Lá no salão, chiquííííssimo, onde eu agora só vou três vezes por semana, que tenho que poupar algum enquanto o Conde não der sinais de vida, ouço as mais interessantes conversas sobre as intrigas dos nobiliárquicos flecheirenses, em alguns momentos em que me deixo interessar por isso. Ainda há dias, dizia uma senhora lá da ilustre família do Laranjal, que nem lhes interessa quem seja escolhido no concílio, que o domínio do reino está seguro, que enquanto os rebeldes envolta de Dom Pedro se aguentaram, eles senhores do Laranjal nem precisam de se mexer muito, porque os rebeldes ajudam o povo a esquecer os Cavaleiros da Rosa, e assim mantendo o povo sereno, como se tomando todos três prozac’s pela manhã, mais facilmente os mantendo na sacarina ilusão de que tudo permanecerá na mesma, sem grandes suposições de mudança. E muito bem hajam!

E muito bem fariam se me dissessem do Conde… Enfim, se o virem, digam-lhe por favor para vir até ao Condado, que o palácio está a arder, ou que o querem deitar abaixo para construir um pilar para a ponte ou assim… é que ainda deitam isto abaixo mais depressa que as árvores no outro dia!
E eu, eu ficava nisto toda a tarde, mas tenho ali uns moços a mudar uns móveis, e coitados, eles são muito musculados, mas aquilo cansa-os muito e já devem estar todos suaditos e, a… tenho que ir ver se posso fazer alguma por eles, e… vá, pronto, fui.

Repenicados Cumprimentos da Vossa bela e distinta,
Condessa do Flecheiro